domingo, 26 de setembro de 2010

Após 10 anos da proibição, casas de bingo ainda esperam liberação em SP


Empresários acreditam em decisão judicial favorável à legalização do jogo.
Parte dos locais, no entanto, já se transformou em escola e lojas.

Após dez anos da resolução da lei 9.981, que proibiu os bingos em todo o território nacional, grandes prédios de antigos estabelecimentos do ramo continuam sem uma nova ocupação em São Paulo. Isso porque os donos desses edifícios suntuosos espalhados pela capital ainda aguardam uma decisão judicial que os permita funcionar. E acreditam na volta do jogo.
Olavo Oliveira, presidente da Associação Brasileira de Bingos (Abrabin) e sócio do Bingo Augusta, no Centro da capital paulista, afirma que os proprietários de bingos não imaginavam que a proibição fosse durar tanto tempo, e que cada um agiu da maneira que acreditava ser a mais rentável. "É claro que quem pagava aluguel, e valores altos, acelerou o processo de entrega, e quem era proprietário retardou o processo de desocupação", diz Oliveira.
"O desmonte de bingos, principalmente bingos temáticos, gera prejuízos. Quem paga aquelas cadeiras? O que você faz com todos os paineis? Desmonta e não monta mais. É muito eletrônico, muita fiação. Se tirar aquilo, tem que jogar no lixo. A reconstrução de um bingo desses custaria uns R$ 2 milhões", afirma.
Segundo Oliveira, o custo de manutenção do Bingo Augusta é de R$ 50 mil mensais, pagos com o aluguel do estacionamento do local. Por conta de toda a sua estrutura de cozinha, o prédio ocasionalmente também é usado para sediar pequenos eventos.
Para o juiz federal Fausto de Sanctis, que recentemente lançou o livro "Lavagem de Dinheiro – Jogos de Azar e Futebol – Análises e Proposições", no entanto, sem um controle rígido das obrigações de cada empresário dono de casas de jogos não é possível que elas voltem a funcionar. "É necessária uma atualização legislativa que leve em conta as modernas práticas delitivas. As experiências têm demonstrado que os jogos de azar com controle incipiente, como sempre ocorreu no país, são nefastos e, em vez de proteger o desporto, tentam, em tese, se valer deste para ganhos ilícitos e vultosos."
Os bingos Imperador e Imperatriz, localizados respectivamente nas avenidas Sumaré e 23 de Maio, também são prédios colossais que permanecem inativos desde 2007, ano em que foram cassadas as últimas liminares que permitiam o funcionamento dos bingos. Na época, o Bingo Imperatriz chegou a ser fechado quatro vezes. O proprietário dos dois edifícios se mudou para os Estados Unidos, onde montou uma fábrica de cigarros, e não pôde ser localizado.
A reportagem do G1 também visitou o Bingo Aratãs, na esquina das avenidas Aratãs e Moreira Guimarães, Zona Sul de São Paulo. Segundo relatos de funcionários de empresas próximas ao local, o estacionamento do edifício é usado às vezes como pista de skate. A Abrabin diz que o ponto quase foi locado ao Banco do Brasil para ser um centro de processamento de dados, mas a negociação não foi concluída, e o prédio permanece ocioso.
Estacionamento do Bingo Aratãs serve como pista de skate (Foto: Bruno Araujo/G1)
Apesar do tempo, os locais permanecem em bom estado graças à segurança e às manutenções semanais. No entanto, há edifícios que sofreram com a desocupação e a ociosidade. É o caso de um antigo bingo da Rua das Palmeiras, na Santa Cecília, região central da capital paulista.
O lugar estava fechado e totalmente pichado até poucas semanas atrás. Em uma segunda visita do G1 ao endereço, foi verificada a colocação de tapumes para uma obra. Segundo funcionários da reforma, um mercado será inaugurado até o final do ano.
Assim como na Rua das Palmeiras, vários prédios que abrigavam bingos em São Paulo acabaram se transformando em outros estabelecimentos. É o caso de um na Rua Prates. Lá ficava localizado o Bingo Bom Retiro. Fechado em 2007, o lugar se tornou uma escola de costura no ano seguinte. Na Avenida Luís Dumont Villares, em frente ao Sesc Santana, na Zona Norte de São Paulo, as antigas instalações do Bingo Tucuruvi deram lugar a um centro automotivo de atendimento de uma seguradora de carros.
Elias Lemos, empresário do ramo alimentício e ex-dono de cinco grandes bingos de São Paulo, dentre eles os bingos Paulista, na Avenida Paulista, e o Classe A, na Radial Leste, diz ter entregue todos os pontos em que era inquilino logo após a proibição. “Não gosto de jogar dinheiro pela janela. No momento em que eu não sabia mais se efetivamente conseguiria abrir, preferi não prorrogar o sofrimento. Sou empresário, não um aproveitador de situações”, diz Lemos.
“Sempre paguei os meus impostos, mas hoje estou fora do mercado. Tiraram meu direito de ser empresário, e o que existe hoje é a criminalidade e a clandestinidade”, completa Lemos. “Mas tenho realmente a intenção de voltar [com a regularização], tanto que continuo lutando por isso."
O Bingo Classe A permanece desocupado até hoje. "Eles alugam uma parte do imóvel como estacionamento, mas continua fechado", diz Lemos. Já o Bingo Paulista se transformou em uma galeria de boxes de comércio popular.
Os outros estabelecimentos de Lemos – bingos Ceasa, Edgar Facó e Morumbi – se tornaram uma agência de automóveis, um supermercado e um buffet infantil, respectivamente.
Legalização
A expectativa de Oliveira é que haja uma regulamentação para os bingos similar à das loterias, que hoje são fiscalizadas pela Caixa Econômica Federal. Uma proposta alternativa ao projeto de lei 2.254/07, aprovada pela Comissão de Constituição, Justiça e de Cidadania (CCJ), da Câmara dos Deputados, em setembro de 2009, aguarda nova votação após as eleições de 2010. Oliveira acredita que a legalização dos bingos seja aprovada a partir da metade do ano que vem.
Para Décio Luís, procurador da Phoenix Empreendimentos, dona do prédio do antigo Bingo Sampa, na esquina das avenidas São João e Ipiranga, a regulamentação não irá acontecer porque o governo não quer concorrência com as loterias. Segundo Luís, o imóvel, que está desocupado há quase dois anos, já está locado.
Procurada pelo G1 para comentar sobre a legalização dos bingos, a tarefa de regulamentá-los e a concorrência com as loterias, a Caixa não quis se pronunciar.
"O jogo está acontecendo em quase 100 mil máquinas [de caça-níqueis, alvo da polícia em várias operações de apreensão] que operam clandestinamente. Criminalizar aquilo que a cultura de um país não rejeita é o caminho errado. A quem interessa a proibição do jogo? A quem lhe interessa o seu funcionamento por formas ilícitas", diz o presidente da Abrabin.
Dentre as propostas da Lei dos Bingos, além da regulamentação da atividade, estão a taxação de impostos sobre as casas de jogos e o direcionamento de 17% do faturamento bruto das casas de bingos para os setores da saúde, cultura, esporte e segurança pública.
Para garantir a fiscalização, toda a movimentação financeira dos bingos – apostas, pagamentos, prêmios – seria transmitida em tempo real para os órgãos encarregados do controle. Todos os jogadores teriam que apresentar o seu CPF ao entrar em uma casa de jogos, o que impediria que os viciados em jogos – registrados, por meio do documento, em um cadastro nacional de ludopatas – jogassem. Além disso, todos os gastos dentro dos bingos teriam que ser pagos à vista. Não seriam aceitos cartões de crédito.
Antonio Gustavo Rodrigues, presidente do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão ligado ao Ministério da Fazenda e mencionado no projeto de lei como um dos responsáveis pela fiscalização dos bingos, acredita que o projeto que tramita há três anos na Câmara ainda é muito vago em termos de responsabilidades. "O problema todo é: quem vai regularizar? Quem vai autorizar? A atividade de bingo tem riscos. Como se diminui?"
Para Rodrigues, é necessária a criação de uma agência especializada e dedicada à fiscalização das casas de jogo. "Teria que ser um órgão muito bem estruturado que não regulasse apenas a comunicação, mas o dia a dia da atividade. Os bingos já são obrigados por lei a se reportarem para nós."
"Se você quiser montar um banco, precisa apresentar um capital no Banco Central, ficha limpa etc. E com os bingos não tem que ser a mesma coisa?", questiona Rodrigues. "Não pode ser uma atividade solta como abrir uma padaria. Tem que ser uma coisa pensada. Um Banco Central dos Bingos, talvez."
De acordo com ele, o Coaf não tem a competência para regularizar o jogo. O órgão do governo é responsável pela prevenção da lavagem de dinheiro como um todo, e não possui a estrutura necessária para esse tipo de fiscalização. "[O Coaf] não foi criado para isso. Acabamos virando quebra-galhos."
A proposta alternativa ao projeto de lei 2.254/07 institui o Ministério da Fazenda como regulamentador, e também menciona o Coaf e a Caixa.
Segundo a Abrabin, a legalização do jogo permitiria a criação de cerca de 1.500 casas de bingos e mais de 250 mil empregos em todo o país.
Entenda a proibição:
Apesar da proibição do jogo em 2000 e da revogação da Lei Pelé em dezembro de 2001, as empresas do ramo receberam da Justiça Federal mais um ano de prazo para deixar o mercado. Assim, os bingos não poderiam mais existir no país a partir de janeiro de 2003.
Desde então, a atividade continuou a ser praticada tanto por meio de liminares do Poder Judiciário como em decorrência da legislação estadual, além das ações clandestinas. A Medida Provisória 168/04, publicada em 2004 pelo governo Lula, proibiu os bingos, mas acabou sendo rejeitada pelo plenário do Senado Federal por não incluir os pressupostos constitucionais de relevância e urgência. Assim, permanece a proibição pela lei 9.981/00.
Para o advogado criminalista Fernando Castelo Branco, uma “verdadeira indústria de liminares para bingos” fez com que as casas operassem de forma precária, sem amparo legal, após a proibição. “É uma situação lamentável. Enquanto não houver a criação de uma lei federal, vai existir um prejuízo muito grande para a sociedade."
“O combate a fraudes, lavagens de dinheiro e sonegação fiscal depende primordialmente da boa redação de uma lei. Sem esquecer, também, dos órgãos públicos responsáveis pela fiscalização”, afirma Castelo Branco. “Não há dúvidas de que tal atividade, se bem regulada, é capaz de produzir importantes fontes de emprego e pagamentos de tributos.”
Em 2007, parte dessas permissões foi suspensa, e os edifícios que abrigavam os bingos ou foram devolvidos pelos locatários, em caso de aluguel, ou permaneceram ociosos, apenas aguardando a regulamentação da atividade no país

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